Treino de Alta Intensidade na população mais velha

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No seguimento dos artigos anteriores sobre o treino de alta intensidade, analisamos neste artigo um estudo muito interessante de 2019 que investigou se esse  tipo de treino, neste caso em particular o HIRIT (high intensity resistance and impact training), podia ser um fator de risco de fratura vertebral em mulheres em fase pós-menopausa com baixa densidade óssea. Consideramos este estudo importante, uma vez que ele aborda um aparente paradoxo, ou seja, por uma lado a evidência científica mostra-nos que uma maior intensidade de carga mecânica leva a maiores adaptações a nível ósseo, mas por outro lado, o receio do risco de fratura em indivíduos com osteoporose, levou a que tradicionalmente se recomendasse programas de treino de baixa ou moderada intensidade. Aplicar um programa de treino de alta intensidade a mulheres com mais de 60 anos, com baixa a muito baixa densidade óssea não será porventura a primeira coisa que passa pela cabeça de um profissional de exercício, contudo o elevado nível de evidência deste estudo obriga-nos a analisá-lo com mais detalhe.

O protocolo de intervenção teve a duração de 8 meses e consistiu em duas sessões semanais supervisionadas, com a duração de 30 minutos cada, com exercícios de força (squat, deadlift e overhead press) e de impacto (jumping chin ups/drop landings), sempre em dias não-consecutivos e com aumento progressivo da intensidade. Nas primeiras 2 a 4 semanas a carga foi baixa, sendo os exercícios executados com pouco peso ou apenas com o peso do corpo e com o foco na qualidade do movimento e nos aspetos técnicos. A partir da quarta semana, a intensidade foi aumentada de modo que no final do segundo mês, todas as participantes conseguiam executar corretamente os exercícios com uma carga correspondente a, 80-85% de 1RM (uma repetição máxima) durante cinco séries de cinco repetições. A partir daí o protocolo manteve-se inalterado, garantindo sempre a intensidade de carga elevada (>= 80-85% 1RM). O grupo de controlo seguiu um protocolo de treino de baixa intensidade, com duas sessões por semana de 30 minutos cada, feitas em casa sem supervisão e que consistia num aquecimento de 10 minutos a andar, quatro alongamentos e quatro exercícios de força de baixa intensidade com halteres, progredindo de 1 kg até um máximo de 3kg (nas quatro últimas semanas), seguidos de cinco minutos de caminhada, finalizando dessa forma o treino. Os autores deste estudo observaram no final da intervenção, uma melhoria significativa na densidade óssea do grupo de intervenção quando comparado com o grupo de controlo, bem como uma redução da cifose dorsal. Não foram registadas fraturas de fragilidade nem nenhum outro tipo de lesões no grupo que seguiu o protocolo HIRIT. O grupo de controlo apresentou uma progressão desfavorável após o período de intervenção, com redução dos níveis de densidade óssea, registando-se também um caso de fratura (de grau 1 ao nível da T7), dois casos de fraturas pré-existentes que evoluíram de grau 1 para 2 e um caso que evoluiu de grau 2 para 3.

Os mesmos autores realizaram mais tarde um novo estudo, mas desta vez com indivíduos todos do sexo masculino, com osteopenia e osteoporose. O protocolo de intervenção HIRIT foi exatamente o mesmo que foi utilizado no estudo com mulheres, contudo neste estudo, para além do grupo de intervenção HIRIT e do grupo de controlo, houve um terceiro grupo que realizou um protocolo baseado em exercícios de compressão axial isométrica em máquinas (IAC) e com supervisão. Os resultados deste estudo foram muito semelhantes ao anterior, com o grupo HIRIT a apresentar melhorias significativas na densidade óssea e sem fraturas de fragilidade nem outro tipo de lesões. O grupo de controlo apresentou uma progressão desfavorável, enquanto que o grupo IAC, não apresentou qualquer melhoria. Os autores destes estudos, demonstraram quanto a nós, grande coragem científica e ao mesmo tempo um bom nível de rigor no desenho destas investigações. Isto porque apresentaram hipóteses que iam contra a maior parte das recomendações à data, associadas com o tipo de treino aconselhado para aquela população. Arriscaram-se a gerar nos indivíduos que fizeram parte do grupo de intervenção, aquilo que queriam provar ser possível evitar com a aplicação do protocolo HIRIT, ou seja, fraturas de fragilidade. Felizmente conseguiram comprovar a eficácia e segurança desse protocolo, graças a um trabalho de qualidade, bem estruturado e com boa supervisão, e que permitiu em certa medida afastar os receios do passado associados ao treino de alta intensidade na população mais velha e neste caso, com fragilidade óssea. Como é óbvio, um protocolo com estas características deverá ser sempre aplicado por profissionais experientes e com adequada formação.

Referências:

Watson, S. L., Weeks, B. K., Weis, L. J., Harding, A. T., Horan, S. A., & Beck, B. R. (2019). High-intensity exercise did not cause vertebral fractures and improves thoracic kyphosis in postmenopausal women with low to very low bone mass: the LIFTMOR trial. Osteoporos Int, 30(5), 957-964. https://doi.org/10.1007/s00198-018-04829-z

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